Gastos com mobilidade elétrica também são investimentos

Uma das perguntas que se faz ao pensar na retomada verde e na transição de energia elétrica é: por que estamos fazendo isso? A reflexão resulta em outras questões e, segundo especialistas, quanto maior for o número de porquês, maiores serão as coalizões para avançarmos na área.

Para Monica Araya, Transport Lead na Climate Champions, não se trata apenas da necessidade de se fazer algo sobre a questão da mudança climática ou sobre o Acordo de Paris; a visão para o questionamento precisa ser maior. “Não é apenas sobre produzir carros elétricos e sim sobre transformar todo um ecossistema. É sobre a qualidade do ar, da saúde, das estratégias industriais, da mobilidade das pessoas.”

A sociedade deve compreender que a mobilidade elétrica se relaciona também com justiça climática e justiça social. Existem, portanto, conversas difíceis, mas que precisam acontecer. É o que apontam os especialistas que discutiram o tema nesta quarta-feira (18). O debate ocorreu durante a 1ª Conferência da PNME (Plataforma Naional de Mobilidade Elétrica), que acontece até quinta-feira (19), em formato 100% digital e gratuito.

Um dos pontos sensíveis está na necessidade de olhar internamente para nossas riquezas naturais e compreender que o transporte é energia. Segundo o professor Marcio D’Agosto, da COPPE/UFRJ, temos possibilidade de usar fontes mais renováveis, mas quase metade da energia consumida no Brasil ainda é a diesel. “Todos os veículos pesados como ônibus, caminhões, e até a navegação interior, dependem de uma forma de energia. Mas temos uma possibilidade de ouro de incentivar a eletrificação.”



De fato, o Brasil possui condições de aplicar e estrutura de governança para utilizar fontes mais renováveis, e, segundo Carolina Genin, diretora de clima do WRI Brasil, é preciso dar prioridade de acesso aos recursos já existentes. Dessa forma, “gastos também podem ser considerados investimentos”.

Margarete Gandini, do Ministério da Economia, comentou sobre o desafio que os veículos pesados enfrentam, com relação à bateria. “Trata-se de um impeditivo que terá um período mais longo de transição, mas que, de acordo com o segmento e com a tecnologia local, terá investimento diferente. Portanto, ao menos por um longo período ainda teremos vários tipos de combustíveis convivendo conjuntamente”, ponderou.

Para Iêda Oliveira, da Eletra/ABVE, o ônibus é o principal modo de transporte para incentivar a eletrificação, mas quando passamos a analisar os caminhos para torná-lo uma realidade, esbarramos em desafios como a falta de políticas públicas ou de metas. “Há uma grande dificuldade com relação à política de planejamento. Logo, acredito que o setor de logística tem um cenário favorável para incentivar a eletrificação, uma vez que são empresas com capital para investir, com metas ambientais claras e um segmento que consegue enxergar o retorno de seu investimento”, defendeu.

Em uma proposta de incentivo para impulsionar a infraestrutura adequada, Fabio Ono, do Ministério da Economia, sugere estruturar melhor o setor. “Deveríamos desenhar projetos que fossem de fato sustentáveis e que atuem de forma transversal para fomentar interesse de investimento privado”, disse. Já Igor Calvet, da ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial), propõe a necessidade de combinar experiências internacionais e trazê-las para realidade brasileira, de modo que os governantes percebam um movimento global, adequando marcos regulatórios de maneira altiva e ativa.

Os especialistas também traçaram possíveis caminhos para a formação profissional em mobilidade elétrica no Brasil, apresentando propostas integradoras. Para Edgar Barassa, empreendedor e pesquisador da Barassa & Cruz Consulting (BCC), as disciplinas que vêm sendo desenvolvidas são mais completas e trazem um elemento essencial para os estudantes, que é a provocação. “Até então, o aluno passava pela graduação e não se deparava com essa especificidade da mobilidade elétrica. Se atualizarmos o currículo atual, ela se torna um gatilho para o aluno fazer uma iniciação científica sobre o tema ou estágio na área.”

Silvia Barcik, da Renault, corrobora com a questão, afirmando que mão de obra qualificada é fundamental. “Existe uma demanda para a competência de venda, por exemplo. O tempo para realizar a comercialização de um veículo elétrico é bem maior, pois o vendedor deve saber vários detalhes técnicos, além de informações ligadas ao pós-venda como a reciclagem da bateria”, justificou.

Percebe-se, portanto, que para realizar uma transformação profunda no setor é necessário um volume de investimentos para gerar um novo ciclo de crescimento econômico buscando resolver brechas do desenvolvimento. Camila Gramkow, oficial de Assuntos Econômicos da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), defende esta proposta e acrescenta: “a área de mobilidade é estratégica para esse impulso e investir no setor é fundamental para uma recuperação transformadora com igualdade e responsabilidade.”

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